Como Treinar o Seu Dragão: um remake que voa mais alto do que deveria

NOTA: ★★★★

De tempos em tempos, Hollywood decide revisitar suas histórias de sucesso, vestindo-as com uma nova roupagem. Nos últimos anos, essa prática virou quase uma obsessão. Mas entre tantos remakes esquecíveis ou preguiçosos, o live-action de Como Treinar o Seu Dragão surge como uma rara exceção: ele não apenas respeita o material original, como parece entendê-lo profundamente. A nova versão repete quase tudo do filme de 2010, mas com sensibilidade, brilho técnico e um olhar que equilibra nostalgia com impacto visual.

O primeiro Como Treinar o Seu Dragão foi um marco dentro da DreamWorks. Lançado em 2010 e dirigido pela mesma dupla do Lilo & Stitch original, Chris Sanders e Dean DeBlois o filme surpreendeu público e crítica com sua animação fluida, personagens cativantes e uma história que tratava de amadurecimento, empatia e amizade com delicadeza. A produção rendeu duas continuações diretas em 2014 e 2019, formando uma trilogia irada tanto por sua coesão narrativa quanto pela forma como acompanhava o crescimento dos personagens – e do próprio público – ao longo dos anos.

Ou seja: Como Treinar o Seu Dragão não é só um filme querido, é uma marca emocional forte. Refazer esse universo é brincar com a memória afetiva de muita gente – e, felizmente, o live-action entende a responsabilidade.

Dito isso, vale reconhecer: o novo filme é, na prática, uma versão estendida da animação original. Ele não insere quase nada de novo à narrativa. É como se o diretor dissesse: “vamos contar a mesma história, com a mesma alma, mas com mais texturas, mais som, mais impacto.” E é isso o que recebemos. O visual é deslumbrante, os dragões têm presença, peso e movimento realistas. A trilha sonora de John Powell retorna com força e parece ainda mais poderosa quando combinada aos voos em paisagens estonteantes. É uma experiência sensorial: visual e auditiva como poucas.

Um dos pontos mais marcantes da nova versão é sua direção de arte e ambientação. A vila de Berk, as paisagens nórdicas, os céus abertos por onde os dragões voam e até os pequenos detalhes das casas vikings são construídos com tanta textura, materialidade e bom gosto que o espectador quase sente o vento do mar e o cheiro da madeira queimada. Isso contribui diretamente para a imersão no universo do filme. Ao contrário dos cenários excessivamente artificiais e “plásticos” que temos visto nos live-actions da Disney, aqui tudo parece vivo, habitável, crível. Há uma coerência estética entre os espaços e os personagens, que faz com que aquele mundo seja mais do que um fundo bonito: ele se torna um espaço emocional, onde as relações ganham peso e verdade.

Apesar de seguir à risca o roteiro do filme original, a direção de Dean DeBlois acrescenta pequenos detalhes e variações que fazem diferença, especialmente em um formato live-action. Certos olhares, silêncios, pausas dramáticas e até rearranjos de cenas ganham um novo significado quando inseridos em um universo mais realista.

Soluço (Mason Thames, de O Telefone Preto, idêntico ao personagem no original) continua sendo o fio condutor da história – e aqui, talvez até mais do que na animação de 2010, sentimos o peso que ele carrega nos ombros. O jovem ainda está dividido entre seguir o que manda seu coração ou atender às expectativas de um legado imposto por seu pai, o estoico e imponente líder de Berk. Essa tensão interna, que sempre esteve presente no personagem, ganha contornos um pouco mais adultos no live-action, sem abandonar o humor e o charme irônico que fazem parte de sua personalidade. Soluço ainda é cheio de graças, esperto, impulsivo, mas agora o vemos enfrentando dilemas mais densos, mais próximos do mundo real – o que torna sua jornada de amadurecimento ainda mais interessante.

Já Astrid, interpretada por Nico Parker, de The Last of Us, por sua vez, torna-se aqui mais do que uma coadjuvante ou uma mocinha forte. Ela ganha camadas que aprofundam sua presença. A personagem entende o valor da tradição e sabe o que representa o mundo em que vive, mas também demonstra a coragem de questionar tudo aquilo que sempre lhe foi ensinado. Essa consciência a torna uma aliada decisiva de Soluço – não apenas no combate aos dragões ou aos conflitos externos, mas na luta silenciosa que cada um trava internamente entre o que se espera deles e o que de fato acreditam. Astrid, com sua força contida e seu olhar pragmático, mostra que a verdadeira coragem também mora na dúvida, na escuta e na capacidade de mudar.

Gerard Butler, que retorna como Stoico, funciona como uma âncora entre os dois mundos – uma piscadinha emocional para quem cresceu com o original. E Nick Frost como Bocão é uma adição impagável ao filme, que nitidamente busca abrir portas para uma continuação.

Mas o coração do filme continua sendo ele: Banguela. Mesmo com um visual mais realista e menos expressivo que na animação original, o dragão ainda conserva aquele equilíbrio raro entre fofura e imponência. Ele não cai na inexpressividade incômoda de outras tentativas de realismo extremo, como aconteceu no live-action de O Rei Leão – aqui, Banguela ainda é o gatinho gigante que queremos abraçar, mas também uma fera poderosa quando precisa ser.

É justamente aí que mora o segredo do sucesso desse universo: a capacidade de gerar empatia real por personagens que, no fim das contas, são um amontoado de pixels. Se Banguela não funcionasse – se fosse caricato demais ou emocionalmente raso -, todo o filme desabaria. Mas ele funciona. E como funciona.

É interessante notar que a própria trilogia animada já trabalhava com uma estética mais cinematográfica até por conta da técnica do 3D, com movimentos de câmera elaborados, iluminação mais naturalista e cenas de ação intensas. Agora, ao migrar para o live-action, esse estilo parece atingir sua plenitude. As sequências de voo, por exemplo, que já eram belíssimas na animação, tornam-se ainda mais arrebatadoras em carne, osso e efeitos visuais de última geração. É tudo maior, mas não uma grandiosidade que tenta ostentar a falta de conteúdo, mas que faz jus a ele.

O filme poderia ousar mais? Poderia, sim. Há momentos em que ele claramente evita sair da zona de conforto. Mas também é evidente que a intenção não era esta. A produção joga com a ideia de que time que está ganhando não se mexe. E, nesse caso, talvez tenham razão. Não faltam exemplos de live-actions que tentaram ir além da simplicidade encantadora do original e criaram filmes absolutamente bizarros, como Dumbo e o recente Branca de Neve, que parecia se envergonhar da própria obra que estava recontando.

Ao não tentar reinventar a roda, o filme perde em originalidade, é verdade – mas ganha em reverência, em respeito, em fidelidade. Não se trata de corrigir o que veio antes, e sim de amplificar o que já era bom. O resultado é uma homenagem sincera e comovente nas horas certas.

Se a febre dos remakes live-action é algo do qual não vamos nos livrar tão cedo, que ao menos aprendam com Como Treinar o Seu Dragão. Ele mostra que é possível honrar uma obra sem desfigurá-la. Um exemplo elegante, maduro, sensível.

Mais do que uma nova versão, ele é uma reverência à própria animação. Um lembrete de que algumas histórias merecem ser contadas mais de uma vez, não porque nos esquecemos delas, mas porque precisamos senti-las de novo.

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Título nacional: Como Treinar o Seu Dragão
Título original: How to Train Your Dragon
Ano de produção: 2025
Direção: Dean DeBlois
Elenco: Mason Thames (Soluço), Nico Parker (Astrid), Gerard Butler (Stoico, o Imenso), Nick Frost (Bocão)
Roteiro: Dean DeBlois (baseado no filme de 2010 e na obra de Cressida Cowell)
Trilha sonora: John Powell
Duração: 2h15
Gênero: Aventura, Fantasia
Produção: Universal Pictures / DreamWorks Pictures
Distribuição: Universal Pictures


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